24 de abril de 2024
Joseph Agamol

Ontem eu estava na fila da Saraiva e fiquei triste

Foto: Arquivo Google – G1

Não, não fui comprar um livro. Quer dizer, até fui, mas era presente. Eu prometi não comprar mais livros enquanto não zerar a fila aqui em casa e arrumar espaço na estante. Mas não foi por isso que fiquei triste.
Então. Atrás de mim, duas meninas conversando, idades indefiníveis, talvez 18, talvez 20 anos. E eu, contumaz coletor de momentos do cotidiano, ouço uma dizer para a outra, em tom de troça, de mofa:
– ih, meu pai me mandou um vídeo. Certeza que não é interessante.
Bateu uma tristeza, sabiam? Uma tristeza por aquele pai que eu nem conhecia mas que era tripudiado por sua filha assim, sem mais, na frente de estranhos como eu.
Tudo bem, o pai da moça poderia ser um relapso, um mequetrefe, um sacripanta, mas havia a chance 50/50 de que fosse um cara legal, que perdeu noites de sono, ganhou quilos e branco nos cabelos, que se alegrou com as primeiras palavras, passos, conquistas.
Claro que também há a chance de que a filha mais tarde mude de opinião – ou não, também pode ser.
O fato é que lembrei desse texto que fiz para o meu vô – e que tirou um pouco do travo amargo da minha boca.
Espero que vocês gostem e, quem sabe, se vejam um pouco nele, também, embora seja algo tão íntimo e pessoal – “íntimo e pessoal” parece propaganda de absorvente, eu sei.
Feliz Dia dos Pais.
”Eu não tive pai. Meu pai desconhecido engravidou minha mãe e pé na estrada
Era músico, diziam.
Minha mãe devia abortar, diziam.
(filho sem pai nos anos 60 era filho de puta, diziam)
Mas eu dizia que não tive pai?
Nem sempre se chama de pai aquele que o é.
Meu avô me registrou: me deu um nome.
Meu avô me criou.
Portuga que veio miúdo ainda para o Brasil, fugido da Grande Guerra e em busca de uma vida melhor.
Minha avó dizia que meu avô era o único português burro do mundo: não ficou rico no Brasil.
(O que não o impedia de, como era praxe naqueles dias, receber o pagamento e trazer o envelope intocado para minha avó.)
Era o cara mais honesto que conheci e que nunca titubeou diante das dificuldades.
De poucos sorrisos e carinhos, guardo todos os seus abraços, como numa noite de tempestade em que eu disse:
– tô com medo, vô.
E ele:
– eu também. Mas vai passar.
Não tinha medo de dizer que sentia medo, meu vô.
Me deu os melhores exemplos de como ser homem que conheci.
Quem precisa de pai tendo um homem assim?
Vô, se há alguém que merece o Paraíso, acredito que você está nele, sentado num pé de porta de uma casa assobradada, com uma Brahma no copo e um prato de bolinhos de bacalhau na mesa ao lado.
Vendo o jogo do América.”

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *