Foto: Ator Marcos Plonkla que interpretava um aluno judeu na Escolinha do Professor Raimundo
Arquivo Google – Desciclopédia
Nos começo dos anos 80 eu era um adolescente nhocunhé que, como todo adolescente nhocunhé, se achava muito sabido.
Tinha uma dificuldade atávica com matemática e ciências afins – tanto que o futuro me encaminhou para a música e para a História.
Um dos professores que tentou, debalde, incutir matemática no meu cérebro xucro para números, foi o professor Abraão.
Como o próprio nome sugere, era judeu – ou é, há muitos anos não ouço falar dele, talvez esteja bem idoso.
Pois bem. Num dia de aulas tediosas do primeiro ano do segundo grau – que recém deixara de ser chamado “científico” – minha turma aguardava a aula de Matemática.
Um dos meus amigos, tão adolescente e nhocunhé quanto eu, desenha uma suástica no quadro negro – na época quadros eram negros e gizes eram brancos, vejam que coisa demodê.
O professor Abraão entra na sala e dá de cara com o símbolo no quadro. Ele estaca de supetão, de levantar poeira. Olha para a turma. E o que deveria ser uma aula de matemática torna-se uma aula de História, sobre os horrores do nazifascismo como um todo e da perseguição aos judeus em particular.
(Parênteses breve: na época, eu e meu amigo nhocunhé não fazíamos a menor ideia do que era nazismo ou judaísmo, tampouco entendíamos a Segunda Guerra Mundial. Meu amigo traçara a giz a suástica sem fazer a mais remota conexão do quão ofensivo seria o símbolo para o professor)
O professor Abraão, troncudo, baixo, calvo e de óculos, sempre engraçado e bonachão – e um EXCELENTE mestre – falou. Falou. E falou. Ao final da sua fala ele estava suado, exausto e quase em lágrimas.
A turma? Bom, vocês sabem aquela cara que cachorros fazem quando executam uma imensa lambança? Aquela culpa mesclada com vergonha? Éramos nós.
A Segunda Guerra tinha terminado há menos de 40 anos e suas feridas – ainda abertas hoje em dia, quase 80 anos depois – estavam longe de sequer começar a cicatrizar.
O professor Abraão era um exemplo de como eram os professores até os anos 80 – altivos, orgulhosos, que se faziam amar e respeitar, em doses iguais.
Acho que o ponto de corte se deu em algum momento depois, quando começaram as campanhas salariais dos professores e cujo símbolo era uma camiseta da qual não me esqueço até hoje: algo com os dizeres, “não me assalte, sou professor”.
A partir do momento em que os mestres abriram mão de sua altivez natural e passaram a se apresentar para a sociedade como pobrezinhos dignos de piedade tudo começou a mudar.
Pior: alguns professores passaram mesmo a acreditar nessa inferioridade. A introjectá-la.
Ao se identificarem com o vitimismo e coitadismo, típicos da política dos governos que assumiriam o Estado do Rio de Janeiro, como sendo parte de sua natureza, os professores não sabiam, mas uma página digna e bela de sua história se fechara, talvez para sempre.
Resgatar o respeito pelos professores – e o amor próprio DOS professores – é tarefa fundamental para salvar esse país.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.