29 de março de 2024
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Os lobos vão se afogá

Dizem que as redes sociais abriram espaço para os idiotas se manifestarem. Concordo, sou um deles. Aliás, todo mundo é. Inclusive – ou principalmente – aqueles que postam certezas inabaláveis em tom arrogante, destinadas a ensinar a plebe ignara, que só escreve besteira, as verdades políticas e existenciais.

Nesse cirquinho que frequento alegremente, ora no picadeiro ora na plateia, rolam também frases de autoajuda. Implico especialmente com uma que as mulheres empoderadas amam: “atirem-me aos lobos e eu voltarei liderando a alcateia”. Brega, muito brega. Triste também. Nessa brincadeira lupina estaria em desvantagem. Se me jogassem aos lobos, eles me devorariam em dois segundos. Sempre fui péssima em relacionamentos sociais.
Pensando em minha incompetência sócio-afetiva, tropecei, semana passada, na postagem triunfal de uma jovem lacradora: “atirem-me aos lobos e eu voltarei liderando o cardume”. Até tentei, no Google, descobrir se havia algum tipo de peixe-lobo com vocação de piranha, que se alimentasse de carne. Mas a correção de alguém à postagem da mocinha, avisando que o coletivo de lobo era matilha, deu-me a certeza de que nem os lobos, coitados, escapam à sanha assassina dos ignorantes da língua portuguesa.
Decidi que faria uma crônica sobre o cardume de lobos. Minha intenção, generosa que sou, além de impedir que os lobos entrassem em depressão com a ameaça de afogamento coletivo, seria estimular os meus colegas de espaçao virtual a prestar mais atenção à nossa língua. Olavo Bilac, considerado por seus pares “o príncipe dos poetas brasileiros”, devia ter alma de bruxa. Quando classificou o português de “rude e doloroso” idioma, já estava prevendo a Internet.
Dediquei um dia de minha vida à procura de erros no Facebook. Gente, o que está acontecendo a um pessoal supostamente alfabetizado, que é capaz de determinar os rumos políticos e econômicos do país, mas não consegue escrever duas frases sem erros cabeludíssimos?
Para fazer companhia ao cardume de lobos, encontrei quem tivesse se “apaichonado sem censo de ridículo”, dezenas de “facistas”, vários “sange suga”, muitos que “preçiçavam de algo ou de alguém”, pedidos de “caçação de mandados”, estudantes de “ciências hulmanas”, “adimiradores” de vários artistas e tantas, tantas outras asneiras, que nem lembro mais. Deus existe, fui acometida por repentina e misericordiosa amnésia.
Mas o pior de todos os erros, que, infelizmente, vai acabar dicionarizado de tanto ser usado, é a retirada da letra R dos verbos no infinitivo. Os internautas, em sua imensa maioria, vão cantá, comê, se mudá, casá, se apaixoná, etc e tal. Usei os acentos para minorar a dor dos meus leitores, pois a turma nem acento usa. Fica mesmo no casa, namora, apaixona e por aí afora.
Não pensei que viveria para testemunhar tanta tragédia: não é que os lobos vão mesmo se afogá?

O Boletim

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