29 de março de 2024
Adriano de Aquino

Um panorama


O cenário de escombros da batalha eleitoral não é tão arrasador quanto a princípio muitas pessoas supunham.
Os derrotados vagueiam pelo campo catando suas bandeiras e tentando remenda-las, em busca de uma dignidade que já haviam há muito perdido, quando aderiram cega e irresponsavelmente à ambição dos seus líderes.
Outro grande perdedor é o parque industrial da comunicação e entretenimento que ao longo dos anos adjudicou para si mais que um ‘quarto’ poder.
Parte dos seus servidores incorporaram o perfil do ‘eleitor privilegiado’. Acreditaram piamente que o Quarto’ Poder emitindo opiniões favoráveis a um candidato depositaria antecipadamente nas urnas milhões de votos. Empenhados em apontar maior toxidade ante democrática em um dos concorrentes -agora eleito – e exaltando os valores ‘humanos’ de seu adversário, agora derrotado, mostrou que essa aparente solidez se diluiu no ar.
Só isso seria motivo bastante para levar os donos e funcionários do ‘Quarto’ Poder a refletir que os tempos mudaram.
Uma brisa de autonomia se espraiou nas redes sociais.
Já não é tão fácil ‘fazer’ presidentes com editoriais.
Prova disso é que o eleito, alvo principal da propaganda hostil feita pelos maiores veículos da indústria da comunicação, prescindiu dos seus favores e amabilidades e os confrontou abertamente –ainda que de forma tosca- na certeza de que David poderia vencer Golias com uma pedrada. Tal ousadia trouxe a tona uma nova faceta da realidade brasileira: o apoio ostensivo da indústria de comunicação e entretenimento não é mais garantia de sucesso eleitoral.
Isso diz muito sobre a vitalidade da democracia brasileira.
Sobre a derrota da ‘neo’ esquerda podemos apontar vários motivos. O mais aparente é seu desprezo pela ética que misturou arrogância com a montanha de entulho da corrupção que vazou pelo propinoduto das estatais em várias falcatruas escandalosas.
Esse foi um dos motivos que levou a arrogância moral petista a cair no ridículo, se tornando foco das mais debochadas caricaturas dos seus dirigentes.
Além disso, a tão aludida ‘governabilidade’ não se sustentou no palanque do que um dia foi a poderosa ‘Base Aliada’ que trocou identidade ideológica por chances de grandes negócios com as empresas estatais. Hoje, sobre esse palanque Sarney, Temer, Janot, Calheiros e caterva tentam se equilibrar na ruína de uma ‘estrutura’ carcomida.
Dizem por aí, aliás, ele mesmo, Renan Calheiros, disse que poderá ‘tomar’ a presidência do Senado e lá fincar as ‘bases’ da oposição ao governo Bolsonaro. Logo quem! Renan Calheiros, figura pública ultra manjada que arrasta um currículo de iniquidades.
E não para por aí! Nesses 30 anos de governos ‘neo’ esquerdistas – mais precisamente nos últimos 15 anos – o sistema bancário entesourou lucros magníficos, verdadeiros recordes de ganho de capital no setor, tão magnifico que desperta a inveja dos mais ambiciosos capitalistas selvagens.
Mas, o que podermos tirar de efetivamente positivo dessa longa e extenuante batalha?
Primeiro é que povo mostrou que sabe fazer conta.
Segundo é que a renovação de quadros no Congresso poderá abrir uma nova janela de oportunidades para a política, para economia e para a sociedade como um todo.
No campo especificamente parlamentar , a sentada no congresso de novos representantes de viés liberal, de centro e de direita sugerem uma lenta e gradual desidratação do Centrão. Uma parte da esquerda, desatrelada do epicentro da tragédia e até então recalcada pelos arroubos histriônicos de grande visibilidade midiática dos velhos arautos da esquerda estrelada, poderá ganhar voz .
Esse conjunto de fatores poderá contribuir para a qualificação –apesar dos gritantes contrastes- de uma oposição responsável, com reduzidos índices de histrionismo parlamentar, mais sensível ao diálogo e em busca de soluções possíveis para os graves problemas que a nação irá enfrentar nos próximos quatro anos.
Intoxicada pela longa permanência (30 anos) das lides ‘neo’ esquerdistas no poder, o eleitor revelou que a decadência das suas proposições e a atuação dos seus líderes tinha que chegar ao fim.
Essa eleição, mais que consagrar um vencedor, sobre o qual recai grandes responsabilidades internas e externas diz muito sobre nós,brasileiros.
Internamente seu resultado diz ao vencedor sobre a urgência em se conciliar os extremos trabalhando em favor da paz social.
Externamente,esse resultado informa a comunidade global os sinais dos novos rumos de uma política externa mais aberta aos desafios do mundo.
Esse conjunto de fatores gritou das urnas – a todo pulmão – na expressão contundente de um BASTA!

Adriano de Aquino

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

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