28 de março de 2024
Adriano de Aquino

“O reacionário: memórias e confissões”


Eu morava em Paris (1977) quando Nelson Rodrigues lançou “O reacionário: memórias e confissões”. Logo que soube do lançamento pedi a um amigo, com viagem programada para a Europa, que me trouxesse o livro.
Mesmo para mim, um admirador dos arroubos libertários do Nelson,houve espanto com o fato dele assumir para si,na maior galhardia, as críticas acirradas ao seu posicionamento político.
Levem em conta que em 1977 os brasileiros ‘pensantes’ estavam impregnados da hegemonia ideológica de esquerda como forma de ‘resistência’ ao regime militar e a quebra dos direitos políticos.
Meu espanto se converteu em maior admiração por Nelson Rodrigues, quando comentei sobre o livro com vários amigos. As reações foram de espetacular repulsa. Sobretudo quando comentei que achava que a escolha do título irradiava a potência de um Epiteto.
Muitos amigos torceram o nariz ao meu comentário. Como atribuir a um ‘reacionário’ do quilate do Nelson, um lugar de destaque entre epítetos famosos?
Como situa-lo no panteão dos heróis solitários como Rui Barbosa “o Águia de Haia”, Joaquim José da Silva Xavier “ Tiradentes”, Mahatma Gandhi “A Grande Alma”, Mao “O Grande Timoneiro” etc?
Na ocasião, meu viés trotskista, já colocara sob suspeição as intenções ocultas na hegemonia das esquerdas. Stálin e outros líderes tirânicos já estavam sendo revistos por um pensamento crítico criterioso e ético, menos complacente com os crimes do totalitarismo que hipoteticamente assegurava que as perseguições políticas aos dissidentes era a forma de assegurar a LIBERDADE do povo.
Lembro agora, com clareza, que as ‘confissões’ do Nelson Rodrigues introduziram um vírus libertário no meu pensamento de jovem rebelde. Recordo com incrível nitidez que a leitura de ‘O Reacionário’ abriu um quarteirão de dúvidas. Sobretudo uma questão que até hoje, em conversas com os amigos progressistas, permanecem sem repostas convincentes, como essa, que aqui reproduzo: “Por que o pensamento liberal – considerado de direita pelos ignorantes – não se reduz a um modelo coletivista que visa transferir para o indivíduo doutrinado a retórica da ‘ditadura do dinheiro’,paralela à ditadura do proletariado, que radicalmente discrimina a individualização?
Ao contrario, os liberais autênticos, Nelson é um deles, sempre deram grande valor ao indivíduo emancipado de ideologias.
É recomendável não confundir individualização
(1. Processo pelo qual uma parte do todo se torna progressivamente mais distinta e independente; diferenciação do todo em partes cada vez mais independentes.2.aspecto único e singular de; singularidade) com individualismo (tendência, atitude de quem vive exclusivamente para si, demonstra pouca ou nenhuma solidariedade social; egoísmo, egocentrismo.
2.ECONOMIA•FILOSOFIA Doutrina moral, econômica ou política que valoriza a autonomia individual na busca da liberdade e satisfação das inclinações naturais).
Essa penca de lembranças surgiu na visita a uma amiga em sua nova e provisória residência. Uma ‘caixa’ de lembranças se abriu com a conversa sobre a correspondência pessoal dela com o Nelson. Maravilhosa, mas, impublicável, por ser de caráter estritamente pessoal. Esse encontro íntimo com o pensamento do Nelson Rodrigues, me transportou para uma viagem a 1977 que, paradoxalmente, alguns temas ainda resistem prescritos na fronteira das ideologias intolerantes e dos preconceitos hostis, que hoje intoxicam a livre expressão do pensamento e a plena liberdade de opinião.
Compartilho com vocês duas notas. A primeira, um trecho do capitulo que NR dedicou a Paulo Freyre, tirado do livro supracitado:
“13. Porque os intelectuais exigem dos intelectuais atestado de ideologia. Ou o artista é comunista, socialista, inocente útil, ou que outro nome tenha, e terá toda cobertura promocional. Mas se for um solitário, um independente um original – não terá uma linha em jornal nenhum. Dirão vocês que a inteligência de esquerda não manda nada. De acordo. Não tem poder, mas o exerce. As redações estão infiltradas. E assim as rádios. E assim a televisão. É o que acontece com Gilberto Freyre. Qualquer notícia sobre o grande autor de Casa Grande & Senzala vai para a cesta. Leiam os nossos jornais, as nossas revistas. Querem assassina-lo pelo silencio. ”
A segunda é a resposta do NR a um leitor irritadíssimo.
Tudo tão atual que parece ter acontecido apenas quinze minutos atrás:
“Uma hora depois, entro na redação e apanho a correspondência. Ao abrir o primeiro envelope, tomo um susto. Era um leitor irritadíssimo. Lera algumas “Confissões” e vira em mim um brutal reacionário. Não queria, porém, ser injusto. Por isso, pedia ou exigia que eu me definisse sobre a Educação Sexual. Sou contra ou a favor? Bem. Vou ser o mais taxativo possível: – Sou contra. E, para evitar qualquer dúvida, ou sofisma, direi com a maior ênfase: – “Absolutamente contra”. Não sei se me entendem. A Educação Sexual devia ser dada por um veterinário a bezerros, cabritos, bodes, preás, vira-latas e gatos vadios. No ser humano, sexo é amor. Portanto, os meninos, as meninas deviam ser preparados, educados no amor. Se meu leitor progressista ainda não está satisfeito, direi algo mais. O homem é triste porque, um dia, separou o Sexo do Amor. Nada mais vil do que o desejo sem amor. A partir do momento da separação, começou o processo de aviltamento que ainda não chegou ao fim. E, assim, o homem tornou-se um impotente do sentimento e, portanto, o anti-homem, a antipessoa.”
(Nelson Rodrigues, O Reacionário)

Adriano de Aquino

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

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